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Terapia gênica restaura audição em crianças, adolescentes e adultos com surdez genética

A terapia gênica para tratar formas hereditárias de surdez deu um passo gigantesco em direção à clínica em 2025. Pela primeira vez, crianças, adolescentes e adultos com mutações no gene OTOF apresentaram melhoras auditivas significativas após um único tratamento experimental.


O estudo, publicado na revista Nature Medicine, relatou os resultados de um ensaio clínico conduzido em cinco centros na China. A terapia utilizou um vetor viral sintético , AAV-Anc80L65 , para entregar uma versão funcional do gene OTOF diretamente no ouvido interno de dez participantes com surdez congênita do tipo DFNB9, uma forma autossômica recessiva causada por mutações nesse gene.

Qual é o alvo da terapia?


O foco da terapia são pacientes com surdez hereditária tipo DFNB9, causada por mutações bialélicas no gene OTOF.


O que é o gene OTOF?


  • O OTOF (otoferlina) é responsável por codificar uma proteína fundamental para a liberação de neurotransmissores nas sinapses das células ciliadas internas da cóclea, que convertem o som em sinais elétricos que chegam ao cérebro.

  • Sem essa proteína, o som captado no ouvido não é transmitido corretamente, resultando em surdez profunda desde o nascimento.


Como foi feita a correção genética?


A correção genética foi realizada por meio de uma abordagem inovadora que combinou um vetor viral sintético com uma estratégia de vetor duplo. O vetor utilizado foi o AAV-Anc80L65, uma variante do vírus adeno-associado projetada para transportar material genético com alta eficiência de entrega e baixa imunogenicidade. Os AAVs são amplamente utilizados em terapias gênicas por serem não patogênicos e permanecerem fora do genoma do hospedeiro, o que reduz significativamente o risco de mutações indesejadas. Especificamente, o Anc80L65 apresenta excelente capacidade de transduzir as células ciliadas internas da cóclea, alvo crucial na restauração da audição.


A carga genética transportada por esse vetor consistia em uma cópia funcional do gene OTOF, cuja mutação é responsável pela surdez hereditária abordada no estudo. No entanto, o gene OTOF possui aproximadamente 6 mil pares de bases, o que excede a capacidade tradicional de empacotamento dos vetores AAV, limitada a cerca de 4,7 kb. Para superar esse obstáculo, os pesquisadores empregaram uma estratégia de vetor duplo: o gene foi dividido em duas metades complementares, cada uma inserida em um vetor AAV separado. Após a infecção das células-alvo, essas duas metades se uniram no interior celular, recombinando-se para formar a sequência funcional completa do gene OTOF. Esse processo permitiu a expressão da proteína otoferlina funcional e, consequentemente, a recuperação da função auditiva.



 Como foi administrado o tratamento?


O tratamento foi administrado por meio de uma injeção intracoclear, uma via de entrega direta e precisa ao ouvido interno. Os pacientes receberam uma única dose do vetor AAV contendo o gene terapêutico por meio da chamada janela redonda , uma fina membrana localizada na base da cóclea que permite acesso ao compartimento interno auditivo. Essa abordagem minimamente invasiva é especialmente eficaz, pois garante que os vetores atinjam diretamente as células ciliadas internas da cóclea, que são responsáveis pela conversão de estímulos sonoros em sinais neurais. Com isso, a terapia consegue alcançar com precisão o tecido-alvo, aumentando a chance de sucesso da correção genética e reduzindo riscos de efeitos colaterais sistêmicos.


Resultados transformadores


Todos os dez participantes, com idades entre 1,5 e 23,9 anos, apresentaram melhora na audição , muitas vezes perceptível já após o primeiro mês.


  • O limiar médio de percepção sonora caiu de 106 dB para 52 dB em seis meses.

  • Os melhores resultados foram observados em crianças entre 5 e 8 anos, sugerindo um efeito terapêutico dependente da idade.

  • Uma menina de 7 anos recuperou praticamente toda a audição e passou a manter conversas com a mãe, quatro meses após o tratamento.

  • Um adolescente e um adulto também responderam positivamente, representando a primeira evidência clínica de eficácia em faixas etárias mais altas.

Segurança e tolerabilidade


O tratamento foi bem tolerado: nenhum evento adverso grave foi relatado. O efeito colateral mais comum foi a redução transitória de neutrófilos , um tipo de célula de defesa do sangue , que não exigiu intervenções médicas adicionais.

Segundo os pesquisadores, os pacientes continuarão a ser acompanhados por até cinco anos, para monitorar a durabilidade do efeito e eventuais reações de longo prazo.


 Avanços recentes no campo


Este não é um caso isolado. O estudo se soma a vários avanços em terapia gênica auditiva:


  • Em janeiro de 2024, um estudo clínico com seis crianças portadoras de DFNB9 demonstrou recuperação auditiva em cinco delas.

  • A empresa Akouos (Eli Lilly) relatou resultados promissores em sua terapia AK-OTOF-101.

  • Em fevereiro de 2025, a Regeneron divulgou que sua terapia DBO-OTO, também voltada para mutações no gene OTOF, levou a melhoras auditivas “clinicamente significativas” em crianças.


 O futuro da terapia gênica auditiva


Para a pesquisadora Maoli Duan, do Karolinska Institutet, esse estudo marca um divisor de águas:

“Este é um enorme avanço no tratamento genético da surdez, algo que pode mudar vidas — não apenas de crianças, mas também de adolescentes e adultos.”

Segundo Duan, o gene OTOF é apenas o começo. Pesquisas em andamento já miram genes mais comuns, como GJB2 e TMC1, responsáveis por outras formas de surdez hereditária. Embora esses genes apresentem desafios maiores, os estudos pré-clínicos têm sido encorajadores.


🔗 Referência:

Nature Medicine. (2025). AAV gene therapy for autosomal recessive deafness 9: a single-arm trial.DOI: 10.1038/s41591-024-03023-5


Terapia gênica restaura audição em crianças, adolescentes e adultos com surdez genética.
Terapia gênica restaura audição em crianças, adolescentes e adultos com surdez genética.

 
 
 

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