O Primeiro Caso de Sucesso da Terapia Gênica: A História de Ashanti DeSilva
- intergendivulgacao
- 28 de mar.
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Em setembro de 1990, a medicina entrou em uma nova era: pela primeira vez, uma doença genética foi tratada na raiz, não com remédios ou cirurgias, mas corrigindo diretamente o DNA de uma paciente. Essa paciente era Ashanti DeSilva, uma menina de quatro anos diagnosticada com Deficiência de Adenosina Deaminase (ADA-SCID). A história de Ashanti tornou-se um marco na ciência médica, pois ela foi a primeira a ser tratada com terapia gênica. Essa técnica inédita só se tornou possível graças a anos de pesquisas conduzidas pela equipe do geneticista French Anderson, do National Institutes of Health
Nascida em 1986, Ashanti DeSilva foi diagnosticada com ADA-SCID nos primeiros meses de vida. Essa condição genética rara e severa compromete o sistema imunológico do paciente devido à deficiência da enzima adenosina deaminase, essencial para a viabilidade, proliferação e desenvolvimento dos linfócitos T, células fundamentais do sistema imune. A ausência dessa enzima gera um quadro conhecido como imunodeficiência combinada grave (do inglês, Severe Combined Immune Deficiency – SCID), deixando o paciente extremamente vulnerável a infecções. Sem tratamento, a expectativa de vida é drasticamente reduzida, e a maioria das crianças afetadas não sobrevive até a vida adulta. Para minimizar os riscos de infecção, muitos pacientes são mantidos em isolamento rigoroso, como no famoso caso do "menino bolha".
Antes do surgimento da terapia gênica, as opções terapêuticas para crianças com ADA-SCID eram limitadas. Uma delas é a terapia de reposição enzimática, que consiste na administração intravenosa da enzima deficiente, oferecendo um alívio temporário, mas sem potencial curativo. Outra alternativa era o transplante de medula óssea, que exige um doador compatível e pode apresentar riscos significativos. No caso de Ashanti DeSilva e outros pacientes, a reposição enzimática foi realizada com PEG-ADA, uma forma sintética da enzima usada para o tratamento de ADA-SCID, administrada semanal ou quinzenalmente. Embora eficaz no controle da doença, essa abordagem não representava uma cura definitiva. Foi nesse contexto que a terapia gênica surgiu como uma alternativa promissora, buscando superar as limitações dos tratamentos disponíveis.
Tendo isso em mente, a equipe de French Anderson estabeleceu dois principais objetivos para o tratamento de Ashanti DeSilva com a terapia gênica:
Objetivo científico: Determinar a sobrevivência e a expressão dos linfócitos T geneticamente modificados.
Objetivo clínico: Avaliar a eficácia terapêutica das células manipuladas no fortalecimento do sistema imunológico da paciente.
O tratamento foi realizado por meio do modelo ex vivo, no qual os linfócitos T da paciente foram extraídos do sangue e cultivados em laboratório. Em seguida, um gene funcional da enzima ADA foi inserido nessas células utilizando vetores retrovirais. Após a modificação genética, as células foram reintroduzidas na corrente sanguínea de Ashanti, em um processo semelhante a um transplante de medula óssea.
Os resultados mostraram que a terapia gênica fortaleceu o sistema imunológico de Ashanti, permitindo que ela levasse uma vida normal, frequentasse a escola e não apresentasse infecções recorrentes. Foram necessárias algumas repetições do procedimento nos primeiros meses, mas ela não teve eventos adversos significativos. Embora não tenha sido uma cura definitiva, o tratamento possibilitou seu desenvolvimento até a vida adulta com qualidade.
Esse ensaio clínico marcou a história da medicina ao demonstrar, pela primeira vez, a segurança e eficácia da terapia gênica em humanos. Seu sucesso impulsionou novas pesquisas e abriu caminho para o desenvolvimento de abordagens mais seguras e eficazes.
Atualmente, a terapia gênica evoluiu a ponto de oferecer tratamentos aprovados para diversas doenças genéticas e até alguns tipos de câncer. O caso de Ashanti, mais do que um experimento pioneiro, foi o primeiro passo de uma revolução que continua a transformar a medicina.
Referencias
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