Genes contra Doenças e a Revolução da Terapia Gênica: Onde Estamos Agora?
- intergendivulgacao
- 21 de mar.
- 4 min de leitura
Imagine receber um diagnóstico de uma doença genética incurável. Durante décadas, isso significava viver com os sintomas ou, na melhor das hipóteses, tentar amenizá-los com tratamentos paliativos. Mas e se fosse possível corrigir o problema na raiz, alterando diretamente o DNA defeituoso? Essa é a promessa da terapia gênica, uma revolução científica que promete alcançar o que se achava impossível anos atrás.
E é exatamente disso que o livro “Genes Contra Doenças: Terapia Gênica. Uma Nova Era Na Genética” trata, ao trazer à luz os conceitos da terapia gênica de maneira brilhante. Ele aborda de maneira muito didática alguns tópicos relacionados à engenharia genética e terapia gênica, assim como todo o background por trás dela. Abrange desde as ervilhas de Mendel, os vetores da terapêutica, patentes biotecnológicas e até mesmo riscos inerentes. Além disso, o livro destaca casos de sucesso que evidenciam o impacto da terapia gênica ao longo de sua história. Em outras palavras, analisa justamente sobre como a terapia gênica foi desenvolvida, pensada e aplicada nos seus primeiros 18 anos de vida. Por ter sido publicado em 2008, muita coisa já mudou na terapêutica e avanços significativos foram atingidos.
De lá para cá houve algumas mudanças interessantes na área, inclusive o conceito por trás da técnica. Com o advento do sistema CRISPR-Cas9 a edição genética se tornou mais palpável e agregou para a terapêutica. Agora, entendemos terapia gênica como a seguinte abordagem:
“A terapia gênica procura modificar ou manipular a expressão de um gene ou alterar propriedades biológicas de células com objetivo terapêutico”.
Ela pode atingir esse objetivo das seguintes maneiras: através da suplementação gênica, do silenciamento, da substituição ou mesmo da edição. Esse último é o ponto chave que trouxe revolução à engenharia genética. Até a publicação do livro “Genes contra Doenças” existiam duas outras formas de edição genética, mas foi em 2012, com o sistema CRISPR-Cas9 que tudo mudou. A alta eficiência e a facilidade de uso propiciada pelo CRISPR oferecem diversas possibilidades para a terapia gênica, tornando-a revolucionária.
Além do avanço das técnicas de edição genética, a última década trouxe inovações no desenvolvimento de vetores para a entrega de material genético às células-alvo. Um desses casos foi o aprimoramento de vetores virais. Tais veículos de entrega têm sido amplamente estudados devido a sua eficácia na entrega do gene manipulado. Um tipo específico de vetor viral é o vetor viral adeno-associados (AAVs). Este tem se mostrado com grande potencial para a terapia gênica, cujas aplicações envolvem tanto doenças monogênicas quanto tratamento para câncer. As vantagens dos AAVs incluem (1) capacidade de transduzir células em divisão e quiescentes; (2) eficiência na transdução no modelo in vivo; (3) expressão do transgene a longo prazo em células que não estão em divisão celular; (4) imunogenicidade relativamente baixa; (5) não patogenicidade; e (6) segurança clínica.
Outro avanço significativo que surgiu após a publicação do livro é a edição epigenética. Esta consiste em modificar a expressão dos genes sem alterar diretamente a sequência do DNA e pode ser muito útil no tratamento de diversas doenças, como é o caso de doenças neurodegenerativas, monogênicas e câncer. Uma das estratégias mais promissoras dentro desse campo é o uso do sistema CRISPR/Cas9 em sua versão desativada (dCas9). Nessa versão, a enzima Cas9 modificada não é capaz de cortar o DNA, mas é responsável por modular a expressão através de promotores e outros elementos regulatórios de genes. Essa abordagem permite modular a expressão gênica de forma precisa e reversível, oferecendo novas possibilidades terapêuticas sem a necessidade de alterar permanentemente a sequência do DNA.
Desde 2008, a evolução da terapia gênica não se limitou apenas a avanços técnicos, mas também resultou em aplicações clínicas concretas. Houve um aumento expressivo no número de terapias gênicas aprovadas por órgãos regulatórios como a FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos) e a EMA (Agência Europeia de Medicamentos). Atualmente existem mais de 30 ensaios clínicos em andamento e, considerando apenas os produtos baseados em vetores virais, já estão presentes cerca de 26 produtos de terapia gênica aprovados em diversos países. Ainda, há uma diversidade de doenças-alvo para esses novos produtos, e que vão além das doenças monogênicas. Hoje, já é possível visualizar a técnica sendo usada para doenças neurodegenerativas, cardiovasculares e também para câncer. O que já se imaginava no momento da publicação do livro, mas que se tornou mais palpável com os diversos ensaios clínicos e pré-clínicos sendo realizados.
Entretanto, com diversos avanços acontecendo, houve também a atualização dos desafios éticos e de segurança, relacionados à terapia gênica. O sistema CRISPR-Cas9, por exemplo, tem suas particularidades que ainda estão sendo avaliadas em ambiente laboratorial. Questões como segurança, toxicidade, resposta imune e edição “fora do alvo” (do inglês off-target) são alguns dos alvos dos pesquisadores envolvidos. Já em relação aos desafios éticos, a situação se torna ainda mais polêmica. Em debates, é bem reconhecida a importância de se trabalhar com edição gênica apenas em células somáticas e nunca em embriões. Produzir linhagens germinativas geneticamente modificadas é considerado inaceitável na comunidade científica.
Assim, quando Rafael Linden publicou “Genes contra Doenças", em 2008, a terapia gênica já se mostrava promissora, apesar dos desafios e de alguns casos de insucesso. Desde então, a ciência avançou, refinando técnicas, superando barreiras e transformando essa abordagem em uma verdadeira revolução. A evolução da edição genética, o desenvolvimento de vetores mais eficientes e até a possibilidade de modificar a regulação epigenética ampliaram significativamente o alcance da terapia gênica. Hoje, podemos visualizar doenças antes consideradas intratáveis, contendo tratamentos inovadores baseados na correção genética, e, assim, novas estratégias continuarão surgindo. Com um número crescente de produtos de terapias gênicas sendo aprovadas e uma ampla gama de estudos em ensaios clínicos sendo realizados, o futuro nunca pareceu tão estimulante.
Referências
DUNBAR, C. E. et al. Gene therapy comes of age. Science, v. 359, n. 6372, p. eaan4672, 12 jan. 2018.
Comments